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BETH SOUSA: UM PRIVILÉGIO DA COR

Suzana Nazaré*

Representante da nova geraçao de artistas plásticos baianos, Beth Sousa completa seu nono ano de efetiva participação e empresta sua contribuição para a nova configuração da arte que se produz hoje na Bahia.

Ao longo dos últimos anos os trabalhos da artista experimentaram paulatinamente, mudanças de paleta, de temática e de técnica.

Quem se dispuser a examinar sua retrospectiva haverá de constatar que algumas idiosincrasias são ao mesmo tempo marca e privilégio. A cor, por exemplo. Beth Sousa tem demonstrado harmônica interação com ela. Tanto quando faz uso de uma paleta intensamente cromática, até os anos 95, quando começa a convergir para a quase monocromia, nos trabalhos mais recentes. A intimidade com a cor é tão instintiva que até seu branco é, por assim dizer, colorido.

Na produção artística, notadamente a partir de 1996, fica evidenciado um maior equilíbrio da composição, característica aliás que vai marcar toda a obra daí para frente. Nesta fase a profusão de elementos e o uso da cor, para ocupar os espaços, estabelecem a ponte com os trabalhos anteriores a 1996. Os vagões que Beth Sousa mostrou no III Salão MAM-Bahia ("Vagão do Abraço", Vagão Livre" e "Vagão do Beijo"), em 1996, comprovam a sutileza desta passagem. O branco surge então como cor dominante. A técnica é mista, buscando efeitos a partir do óleo, encáustica e acrílica. A artista introduz uma linguagem cifrada, mesclada de letras sequenciadas, às vezes, em barras rítmicas como se fossem trilhas de modinhas ou intitulassem talvez estórias protagonizadas pelo bailante elenco da composição.

As telas expostas em Barcelona, na coletiva "7 Artistas Contemporâneos Baianos", em 1997, acentuam ainda mais o branco e sinalizam tanto para uma tendência à redução cromática como para a simplificação mais incisiva das formas.

 

A opção pela acrílica como técnica exclusiva a partir daí decorre do domínio que a artista passa a ter sobre essa técnica, de tal modo que a acrílica pode ser transformada em grandes empastes, como se fosse óleo, ou em superfícies transparentes, como se fosso aquarela, com a mesma destreza, utilizando como suporte papel ou tela.

O aspecto destacável na obra de Beth Sousa consiste na inexistência de mudanças abruptas ou ruturas entre uma fase e outra, mas evolução gradativa. Cada nova etapa mantém com a anterior a essência; os elementos da composição entretanto vão sendo depurados, trocando paulatinamente de posição no espaço da tela, migrando do primeiro para o segundo plano e vice-versa. Esta dinâmica é conseguida com o auxílio das tramas, introduzidas em 1998. as tramas surgem portanto, com dupla função: a de valorização do espaço, papel que nas fases anteriores era exercido pela cor, e a de movimentação de planos. Com o branco, preferencialmente, as tramas se alternam entre o primeiro e o segundo plano sugerindo profundidade em certos campos da tela.

A temática dos trabalhos a partir de 1998 é o interior da massa copórea, um mergulho nas entranhas, uma incursão exploratória para pinçar e trasladar para a superfície da tela os elementos de sustentação do corpo: esqueletos, ossos, espinhas, partículas, formas fossilizadas.

A fealdade primitiva da forma sofre uma completa metamorfose nas mãos da artista. A descoberta da plasticidade das estruturas ósseas foi mostrada, inicialmente, em uma série de 20 telas expostas em coletivas na Europa, nas cidades do Porto e Paris, em 1998.

Os quadros mais recentes valorizam a quase monocromia. O branco desta fase se dilui sugerindo às vezes transparência, às vezes assume a conformação de flocos espaçados, outras vezes se alinha como se fosse breves de uma partitura invertida de um gênero qualquer de música de uma nota só.

De tais composições, inspiradas em peças tão lúgubres, é paradoxal um resultado tão sereno, tão pacífico, tão plástico. É como se a simbologia da morte fosse aqui uma discreta referência ou um mero pretexto para se falar de vida.

* Suzana Nazaré é jornalista e artista plástica.