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MANIFESTO DE CRIAÇÃO |
Bem vindo ao site da Inquice _ Revista de Cultura. Nossa publicação emerge num momento altamente sugestivo: estamos a meio caminho entre a celebração dos 450 anos da cidade de Salvador e os 500 anos do "Descobrimento do Brasil". Momento propício para refletirmos sobre uma variada gama de questões que vão da historicidade da "fundação" e do "descobrimento" em tela, até as formas concretas com que, ao longo dos séculos, vimos desenvolvendo as nossas relações no interior da sociedade brasileira, seja sob o aspecto racial, social, cultural, econômico, político, religioso e sexual. É uma ocasião, portanto, que clama por debates, discussões, reflexões e conjecturas, que despertem nossas cabeças do sonambulismo e do lugar-comum da historiografia tradicional, da letargia e do deslumbramento do ufanismo oficial.
Esta publicação eletrônica é o resultado da inquietação e da ousadia de um núcleo inicial de alunos, ex-alunos e professores do curso de História da Universidade Federal da Bahia (UFBa). A nossa intenção é que este círculo seja ampliado, que sejam incorporadas pessoas procedentes de outras áreas do conhecimento e de outras instituições do ensino, da pesquisa, do debate e sobretudo, de entidades comprometidas com o enfrentamento e a resolução dos problemas de nossa sociedade. O que motivou a princípio este limitado circulo de pessoas foram duas constatações fundamentais : a) em primeiro lugar a verificação de que o talento baiano, manifestado nas artes, na cultura, no pensamento, na luta social e na política não tem, historicamente falando, mantido com a própria sociedade baiana uma relação satisfatória, de auto-conhecimento, interlocução e interação, b) em segundo lugar, o reconhecimento de que a inteligência baiana tem se alienado sistematicamente do meio social em que se encontra inserida. Sobretudo no que se refere à universidade pode-se constatar um alheamento recíproco que cava um poço intransponível entre o mundo universitário e a sociedade que aquela deveria servir, tornando os seres sociais, objetos por excelência de sua praxis, elementos de uma realidade longínqua, apreensível apenas por meio de fórmulas teóricas e conceitos liminarmente abstratos, isentos de corporiedade e, via de regra, carentes de inteligibilidade fora dos reduzidos grupos de especialistas aos quais se dirigem.
Entre os agravantes de tal situação podemos mencionar as próprias dificuldades internas em que vegetam nossas universidades. À falta de recursos e verbas, problema endêmico e sem perspectivas imediatas de solução em tempos de reforma neoliberal do Estado, acrescenta-se a cultura da estanquização departamental e a voga pós-moderna da fragmentação dos temas de estudo; os vícios do elitismo corporativo e a pretensão da sapiência professoral. Tudo isto em detrimento de um necessário diálogo interdisciplinar entre as várias áreas de estudo e pesquisa e o descaso pela dinâmica viva dos processos sociais.
Não possuímos, naturalmente, a delirante pretensão de solucionar satisfatoriamente todos estes problemas. O que nos propomos a fazer é criar um canal de reflexão, diálogo e discussão que contribua modestamente, senão do ponto de vista da geração de alternativas concretas, ao menos no âmbito do estímulo e da provocação. Para tanto convidamos a todos os que estejam interessados em discutir a sociedade baiana, o Brasil e, por que não, o mundo nesta virada de milênio, na era da tão propalada - e tão mal compreendida - globalização a somarem esforços conosco, a nos auxiliarem e a nos estimularem, seja com colaborações sob a forma de artigos, seja com o tão necessário apoio material do qual necessitamos, seja com a crítica isenta e sincera que com gratidão acolheremos. Nenhuma corrente de opinião e nenhuma forma de manifestação do pensamento serão censuradas nesta revista, uma vez que estejam imbuídas de preocupação com o entendimento e a intervenção sobre a realidade, sejam calcadas na cultura da solidariedade e do respeito ao ser humano, valorizem o esforço de preservação do meio ambiente, reconheçam o pluralismo étnico e cultural de nossa gente e venham a ser formuladas dentro do espírito democrático.
Finalmente, cabe esclarecer, para os menos familiarizados com as tradições afro-brasileiras, o significado do nome da revista. Segundo o pesquisador Nei Lopes e o lingüista Aurélio Buarque de Holanda, a palavra Inquice vem do quicongo nkisi, ou nkixi, significando entidade sobrenatural; ídolo, fetiche. Em seu uso mais difundido, representa a versão banta da denominação dos deuses do culto afro-brasileiro, mais conhecidos por sua correspondência nagô: orixá. A opção pelo nome, conquanto pontuada pela controvérsia, homenageia a matriz cultural do segmento populacional predominante na sociedade baiana e evoca, no âmbito de suas manifestações mais conhecidas, signos alternativos. É assim que pretendemos ser conhecidos, como participantes de um projeto que se debruça sobre o que já é percebido por todos propondo um enfoque alternativo e, na medida do possível, original. Por outro lado, enfatizamos que a denominação da revista não expressa qualquer veleidade de etnocentrismo no plano da cultura ou de exclusivismo no campo confessional. A publicação que ora apresentamos pretende ser ampla e plural, oferecendo seu espaço para a interlocução e o diálogo entre as mais variadas concepções de mundo e de sociedade, as opiniões mais diversas, os projetos políticos, culturais e estéticos das mais distintas tendências e colorações. Nosso único critério é a observância dos princípios já mencionados acima: seriedade, respeito e liberdade em prol do avanço do conhecimento e da construção de uma sociedade mais livre, mais próspera e mais justa.