Náufragos, traficantes e
degredados: Resenhado por: Simon Matos |
Bueno, Eduardo. Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil, 1500-1531 Rio de Janeiro: Objetiva, 1998 (coleção Terra Brasilis; vol. 2)
Com a proximidade do início das "comemorações" dos 500 anos da chegada de Cabral ao Brasil, as editoras começam a fazer os lançamentos sobre o tema. Entre estes está o livro "Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil, 1500-1531" Rio de Janeiro: Objetiva, 1998 ( coleção Terra Brasilis; vol. 2), do jornalista Eduardo Bueno, que já escreveu sobre o assunto para a televisão e jornais. As fontes utilizadas para a confecção do livro são cartas, diários de bordo e relatos de viagem, além de 200 títulos, segundo o autor. O trabalho de Bueno se divide em dois blocos. Nos primeiros quatro capítulos há uma preocupação em fazer uma reconstituição das expedições portuguesas, espanholas e francesas nas três primeiras décadas do século XVI, dando mais ênfase à discussão sobre a primazia da chegada à América do Sul. Nos três capítulos restantes o ponto central é a disputa entre Portugal e Espanha pela exploração do rio da Prata. O primeiro título do livro, muito atraente e instigador, é utilizado para chamar a atenção de prováveis leitores e não para revelar seu conteúdo. Em nenhum momento há uma reflexão sobre o significado desses termos, nem como eram aplicados no período estudado. A parte dedicada aos primeiros europeus que chegaram às terras que hoje pertencem ao Brasil, ocorre de forma descontextualizada com o processo de expansão ibérica. Não que haja uma total ocultação desta expansão no livro, o problema é que o que é mostrado é insuficiente. O que vemos é uma série de descrições de viagens que parecem estar associadas apenas ao Brasil. A impressão que fica, por exemplo, da utilidade dos entrepostos na África é que ali não havia outro interesse que não o de facilitar as viagens mais longas, servindo como meras escalas. Outro exemplo é o capítulo dedicado a Américo Vespúcio, que apresenta algumas estatísticas sobre os sucessos editoriais das cartas Mundus Novus e Lettera, porém o significado desse sucesso para a construção da imagem da América não é analisado. O estudo apresentado por Bueno sobre os primeiros europeus a chegar por essas bandas tem como finalidade maior satisfazer as curiosidades cronológicas que porventura apareçam nas ditas "comemorações". Eduardo Bueno, no entanto, é feliz em outros aspectos. As descrições de viagens, apesar das restrições mencionadas acima, como a de Vicente Yañez Pinzón, Diego de Lepe e Alonso de Hojeda, dentre outros, possuem um texto claro e objetivo. Há uma boa utilização dos mapas da época e dos atuais, como, por exemplo, a reprodução parcial do mapa de Juan de la Costa, elaborado no século XVI, e a sua justaposição com um mapa atualizado do litoral brasileiro feita por Max Justo Guedes. Através desse estudo acabou-se detectando o local exato (Ponta de Mucuripe/ Ceará) em que aportou Vicente Pinzón em janeiro de 1500. Na segunda parte de "Náufragos, Traficantes e Degredados..." o autor aborda as primeiras explorações ocorridas no rio da Prata por Portugal e Espanha. Depois da expedição de Juan Dias de Solis, enviada pela Espanha em 1515, outras tantas se seguiram. Inicialmente o rio da Prata foi visto como uma passagem marítimo-fluvial para se atingir a Malásia e as desejadas ilhas Molucas, berço das especiarias asiáticas. Contudo, esse objetivo se modificaria gradativamente, em decorrência do contato com os indígenas da região situada entre a bacia do Prata e São Vicente, como os Charrua e os Carijós (que viviam separados por mais de 1.500 quilômetros de distância uns dos outros), que forneceram aos portugueses e espanhóis informações a respeito da existência de uma serra completamente formada de prata e de uma vasta região comandada por um "rei branco". Este contato foi facilitado em grande parte pelo relacionamento estabelecido entre os indígenas, e náufragos e desterrados europeus de expedições anteriores. Relatos provenientes de tribos tão distantes pareciam legitimar a autenticidade das informações relativas às riquezas da região. Outro fator contribuía para reforçar a veracidade destes relatos: todos apontavam caminhos e direções próximas para se alcançar esta mesma região. Aqui se faz necessário um parêntese para questionar a análise superficial das relações estabelecidas entre os indígenas e os náufragos e desterrados europeus, como Melchior Ramires, Joca Ramalho e o Bacharel da Cananéia e sua inserção e sobrevivência nesse novo ambiente cultural. Em realidade, o autor não consegue superar a idéia eurocêntrica de história, tão comum em nossos livros didáticos. No período estudado, Bueno apresenta os índios de forma simplista, como num filme de bangue-bangue americano, ou seja, meros coadjuvantes para aumentar a dramaticidade da aventura dos protagonistas. Ele é ou o elemento perigoso que deve ser vencido, ou o ingênuo que deve ser socorrido. Dentre as principais expedições descritas para se explorar a bacia do Prata, destacam-se as de Cristóvão Jacques e Martim Afonso, enviados por Portugal, e a de Sebastião Caboto, enviado pela Espanha. Todos tinham como ponto de partida o rio da Prata e prosseguiram pelos rios Paraná e Paraguai. Além das expedições descritas acima, vale citar a do náufrago Aleixo Garcia, que viveu durante oito anos próximo ao porto dos Patos, junto aos índios. Seguindo um outro caminho (uma trilha indígena chamada Peabiru, que o levou ao rio Paraguai), essa expedição foi, dentre todas, a mais bem-sucedida, chegando aos limites fronteiriços do império Inca. Porém, nenhuma delas alcançou o seu objetivo. Além disso, quando Francisco Pizarro invade o império Inca em 1532, cessam as tentativas de se alcançar o "rei branco" pelo rio da Prata; a disputa pelo domínio da região, porém, continua. "Náufragos, Traficantes e Degredados...", segundo o próprio autor, procura fazer um estudo que até então se encontra à margem da historiografia oficial, porém não consegue ser nada além de uma boa (e grande) matéria jornalística, com direito até a belas gravuras que servem apenas como ilustração.
Simon Matos é graduado em História pela FFCH da Univ. Federal da Bahia. |